segunda-feira, 1 de agosto de 2011

MIGRANTE

Quem chega ao Rio vem à cata de alegria. Traz na bagagem a própria vida inteira, pela metade, pontas de muitos fios presas na engrenagem do destino. Deixa pra trás pedaços de família, outros sonhos, estradas sem mar que vieram dar aqui. Surpreendente que entre as avenidas e os extremos da baía, contornando pontes, viadutos e portos, a cidade se revele amena: cantam sereias, chiam conchinhas. Engano: é imprudente perturbá-la. Melhor deixá-la impune, com seus tiros, buzinas, uivos perdidos na madrugada, mulheres de um sol absoluto. A natureza bem tenta disfarçar o medo com seus matizes desconcertantes. Mas não é sábio desgrudar-se do asfalto, das areias em semitons  brancos, negros, azuis. Periga  se afogar no espanto e na incredulidade. Resiliente, a cidade expulsa dos postais os camelôs e as crianças abandonadas, as prostitutas e as fodas apressadas, os zincos febris desbarrancados. Acolhe quem chega de braços abertos, escultura paradoxal, que tanto cega na luz quanto revela a mesma beleza que profana.
Mirian Calabria